segunda-feira, 24 de maio de 2010

História da Vila do Barro Branco

"O Barro Branco era um sítio a meia altura da serra, protegido contra os ventos impetuosos por um recinto de pedras, numa assentada da montanha que subia ainda, ora em atalhos suaves, ora em penhas abruptas, coberta aqui e ali de maciços de verdura, em contraste com a aridez dos chapadões em torno." (Afrânio Peixoto)

I. Introdução



O Sítio Alto do Barro Branco está situado a cerca de 900 m acima do nível do mar, a uma légua (6 km) da sede do município de Lençóis. O sítio encontra-se rodeado pelo Parque Nacional da Chapada Diamantina, exceto pelo lado Sul, e inserido na Área de Proteção Ambiental (APA) Marimbus Iraquara


II. A Vila do Barro Branco

Até meados do século, a Vila do Garimpo do Barro Branco foi um povoado que abrigou mais de 40 casas térreas, construídas de pedra e adobe e cobertas por telhas de fabricação manual. Habitadas predominantemente por garimpeiros, eram rodeadas por pomares e cercadas por muros de pedra tosca, colocadas sem argamassa, conhecidos como "muros de pedra seca".

Atualmente, as ruas estão quase irreconhecíveis pela existência de árvores e outras plantas nascidas em seu antigo leito. As árvores frutíferas antigas dos quintais frutificaram e proliferaram a ponto de constituir uma mata em que as centenas de mangueiras, jaqueiras, pitangueiras, araçazeiros, jambeiros e muitas outras se entrelaçam com as plantas de jardim, trepadeiras, arbustos nativos e ervas medicinais que o tempo deixou crescer de forma desordenada, trazendo um frescor surpreendente.

Muitas das plantas encontradas na área do Barro Branco estão incluídas na listagem de plantas em extinção do semi-árido, como a aroeira, a quixabeira, o oiti, o tingui, a carapiá, a arruda do mato. E muitas têm reputado valor medicinal, tendo sido plantadas pelas benzedeiras que viveram no povoado, sendo a mais famosa a D. Senhorinha, a quem se muitas curas são atribuídas.

Da atividade predominante - o garimpo de diamantes – restam evidências de uma exploração intensa em área que se apresenta com todos os seus aspectos de degradação, embora cercada e, portanto, de certo modo “escondida” pela vegetação.

A água é abundante e brota em toda a parte, nas épocas de chuva, mas existe um riacho que vem cascateando do lado Oeste, onde as famílias locais utilizam seus poços para banhos e lavagem de roupas. A água para beber é captada pelos moradores do Rio Mandassaia, que fica ao Norte, a cerca de 1 km da Vila.

III. Acessos

O sítio, definido muros de pedra seca, tem basicamente dois acessos:

- de carro, pela antiga estrada que sai de Lençóis em direção às torres de telefonia, seguindo pelo alto da serra e cruzando o rio conhecido por “Mata Burros” ou Lapão (pois passa sob a Gruta de mesmo nome), daí seguindo até a Vila do Barro Branco, pelo seu lado Oeste; e depois, segue como simples trilha, até a BR 242, perto do Morro do Pai Inácio. Esse trecho já foi mais amplo e ainda mostra ainda resquícios de grandes obras de pedras que sustentavam a estrada e permitiam a passagem nos trechos mais difíceis;

- a pé, pela trilha interna, que sai de Lençóis ao lado do Cemitério, e segue mais ou menos paralela ao limite do Parque Nacional, pavimentada por pedras em vários de seus trechos. Esta trilha é, no seu início, utilizada para visitar a Gruta do Lapão, seguindo, depois de uma espécie de cratera arenosa até a entrada Leste da Vila.

IV. Situação geográfica

Do ponto de vista geológico, informa-se que a região é muito antiga – um bilhão e seiscentos milhões de anos. Já foi área fluvial, um deserto coberto de dunas e um mar com enormes blocos de gelo. As marcas das dunas e das areias finas do fundo do mar podem ser encontradas facilmente no caminho.

“A região conta com três importantes serras, que são ramificações das serras de Santa Isabel e Cincurá: A Serra do Barro Branco, a do Alto da Estrella do Céo, na estrada que vae ter ao Capão Grande, e a Serra do Veneno, a mais alta de todas e donde se descortinam horizontes immensos, panoramas lindos de nada invejarmos a paizes estrangeiros.” (Gonçalo de Athayde Pereira, in MEMORIA, História e Descriptiva do Município de Lençoes - Lavras Diamantinas), de 1910)

Bem próximo à Vila, encontra-se a Caverna do Lapão, a única caverna de sílica do Brasil, atravessada pelo Rio Lapão, que se “engruna” a Oeste, saindo em uma boca espetacular onde hoje se pratica o “rappel”.

O Barro Branco é limitado, ao Norte, pelo Rio Mandassaia e, ao Sul, pelo Rio Lapão, apelidado de "mata-burros", que Afrânio Peixoto chamou de S. José. Na verdade, ele pode ser identificado como um dos tributários deste Rio, passando sob a gruta do Lapão para aparecer depois da abertura da caverna e seguir para Leste. Riachos que aparecem nos tempos chuvosos cortam os caminhos e trilhas, apresentando-se ora cristalinos ora em tons ferrosos.

O clima apresenta desde chuvas fortes e breves, às secas, em estação breve, e a temperatura é bastante variável durante o dia. Apresenta máxima em torno de 33ºC, mínima por volta de 15,3ºC, e precipitação pluviométrica por ordem de 1022 mm. No Barro Branco uma brisa intermitente mantém o ar renovado.

Na região de Lençóis, nas planícies de altitude encontram-se os gerais, que são campos com plantas de baixo porte como gramíneas, cyperiáceas, xyridáceas, palmeiras acaules, sempre-vivas e diversos arbustos. Nas áreas de afloramento, encontram-se os campos rupestres, que contêm plantas adaptadas ao clima seco: inúmeras espécies de orquídeas, cactos, filodendros, begônias, melastomatáceas, bromélias, velozias e outras plantas endêmicas.

Segundo biólogos, as condições de isolamento a que foram submetidas permitem estudos sobre eras geológicas passadas, como as velósias dos campos rupestres. Já nas encostas e topos de morro, onde o solo é mais rico ou a umidade mais elevada, encontram-se matas de porte médio. Na verdade, existem quatro tipos de florestas na região. Dois deles - as florestas de planície e montana - são classificadas como florestas estacionais, mesmo que não percam suas folhas nas épocas de estiagem. Fora da área de influência do garimpo, encontram-se ainda matas mais densas, com árvores de porte médio, como ipê, maçaranduba, quina, pau d'óleo, sucupira e outras, remanescentes da Mata Atlântica.

Ao longo de córregos e rios, existem ainda matas ciliares com grande variedade de espécies de árvores de porte baixo, bem como lianas, musgos, samambaias e epífitas. Vêem-se ainda áreas pantanosas de altitude, chamadas "brejos de altitude", cobertas de flores miúdas, brancas, amarelas e vermelhas, dependendo da estação, bem como as de cor violeta, de maior porte, que se estendem às vezes a perder de vista.
Os animais de maior porte não são vistos freqüentemente, mas sabe-se que ali podem ser encontrados macacos barbados. As aves silvestres são abundantes e cantam muito durante certos horários, encantando o ambiente.

V. Contexto histórico do Barro Branco

Não se conhece muito da história do Barro Branco.
Em livro de Gonçalo de Athayde Pereira (MEMORIA, História e Descriptiva do Município de Lençoes - Lavras Diamantinas), de 1910, o Barro Branco é citado dentre as povoações do Município (pg. 09 e 10):

“O Termo dos Lençoes conta tres districtos de paz: o da cidade, o do Santo Antonio e o da Estiva, tres sub-comissariados de policia com suas respectivas autoridades, e algumas povoações de importância, como Estiva, Santo Antônio da Cravada, Marco, Barro Branco, Capivaras, Roncador e Rabudo.”

Vê-se aí que a Vila do Barro Branco encontra-se entre os principais povoamentos de Lençóis, onde o autor registra, dentre outros locais, “a felicidade” de possuir “temperatura assas agradável e amena”; servindo “para a convalescença dos doentes de graves enfermidades, com febres, anemias etc.”

O valor histórico da Vila do Barro Branco foi reconhecido pela Secretaria de Turismo do Estado da Bahia, conforme se vê pelo símbolo (Sítio Histórico) colocado em mapa (doc. 01) divulgado oficialmente, anexado ao presente.

Consta que o povoamento foi anterior ao de Lençóis, e servia de parada entre Campos de São João e Andaraí.

O livro de Afrânio Peixoto, “A Esfinge”, reporta o Barro Branco ao Amparo, vila situada mais próximo de Itaberaba.

Há cinqüenta anos, o povoamento abrigava uma escola, na posse de um indivíduo conhecido como José “Soldado”, onde as professoras vinham de Lençóis para dar aula. As professoras subiam na segunda feira, levando seus pertences em lombo de mula e voltavam no sábado de manhã. A professora Angelina Campos Felippi Viana, reporta que em 1944 essa escola ainda funcionava com cerca de 50 crianças. Outra professora que ensinou no Barro Branco foi Flor de Moraes, filha do historiador Walfrido de Moraes. Algumas informações nos dão conta de que lá chegou a haver iluminação pública, por tubos de estanho e lampiões de carboreto, na rua principal.

Havia uma feira movimentada, muitas festas.
Estranhamente, existem dois cemitérios, mas nenhuma capela ou igreja.

VI. Das faisqueiras de diamante

Segundo Gonçalo de Athayde Pereira, foi somente no século XIX que começou a exploração das faisqueiras baianas na Chapada Diamantina . Segundo Gonçalo de Athayde Pereira “é difícil se precisar os locais e datas certas; entretanto, pode-se distinguir três épocas diante de fatos históricos:”

- a que compreende os anos de proibição, até 1832;
- a que abrange os anos até 1844 ;
- a da implantação definitiva, abrange a exploração iniciada a partir de 1844.

Theodoro Sampaio, historiador renomado, explicou que, uma vez descobertos os diamantes do Mucugê, “as lavras multiplicaram-se como por encanto. Em poucos meses, uma população de cerca de vinte e cinco mil pessoas atraídas de toda a parte, afluiu para este lugar. Basta que se saiba que em dois anos de mineração deram-se para mais de cem assassinatos, pela maior parte impunes. A vida e a propriedade ficaram sem garantias”.

Em 1845, as faisqueiras do rio Lençóis, recém descobertas, já eram de tal qualidade “que despertaram a atenção dos compradores que residiam em Santa Isabel, distante 72 quilômetros da cidade”.

Para o local se deslocou toda uma população composta dos mais variados tipos: garimpeiros em busca de fortuna rápida, e na maior parte das vezes rapidamente esbanjada; comerciantes, ricos e pobres, com sua escravaria; aventureiros, foragidos da justiça; mineradores provenientes dos descobertos aurífero sem decadência, etc. homens vindos de Diamantina e do Grão Mogol, nas Minas Gerais; da Chapada Velha; da região aurífera da Bahia; do Recôncavo baiano e da própria capital da Província.

Em 1856, pela Lei 604, de 18 de dezembro, o arraial foi elevado à categoria de vila, com o nome de Comercial Vila de Lençóis, desmembrando-a do Município de Santa Isabel do Paraguaçu (Mucugê), conforme o artigo 1º da citada Lei. Releva notar-se que a Lei Provincial n.º 428, de 28 de maio de 1852, já havia criado três distritos na Freguesia do Santa Isabel do Paraguaçu, um dos quais de Lençóis.

Foi, portanto, curto espaço de tempo em que o Arraial levou para passar a Vila e se transformar em cidade: o início do povoamento deu-se por volta de 1845 e a fundação da Vila, em 1856; mais 9 anos depois, foi elevada à categoria de Cidade, em 1864. Portanto, em apenas 19 anos, um ajuntamento humano composto dos mais variados tipos transformou um povoado incipiente em cidade.

As notícias sobre as primeiras habitações do garimpo, quando recém descoberto, são imprecisas. Corre a versão de que fossem “barracas de pano branco, a moda de lençoes", originando-se daí o nome do garimpo dos lençóis; segundo outros, o nome da cidade estaria ligado à visão da “cachoeira onde as águas corriam impetuosamente, levando alvas espumas, apresentando um aspecto de vários lençoes estendidos sobre as pedras”.

O que parece mais lógico é terem sido aproveitadas como moradias provisórias as cavernas abundantes na região, protegidas por alvenaria de pedra seca, ficando aberto apenas o espaço necessário para a entrada. Até hoje são encontradas essas locas ou tocas, como são chamadas, e algumas são de tais dimensões que servem de abrigo para famílias numerosas.

Além desse tipo de habitação transitória, os demais tipos de habitação devem ter sido aqueles comuns a todas as regiões do país, em idêntica fase de povoamento: nos locais em que a pedra fosse encontrada em abundância, paredes de alvenaria de pedra seca, ou então, ranchos de pau a pique ou de tijolos de adobe, com estrutura leve de madeira, cobertas de palha de pindoba.

Criada a vila, condicionada à exploração diamantífera a princípio, e à do carbonato, mais tarde, já no ano seguinte - 1857 - foi instalada a primeira delegacia de polícia, e transferida de vila de Santa Isabel a sede da Delegacia de Terras e Minas. No ano seguinte, a 12 de abril, instalava-se a primeira Câmara Municipal
A euforia dos primeiros quatorze anos da Vila sofreria sério abalo com a seca que assolou o sertão, a partir de 1859 e cujos efeitos se fizeram sentir até 1862.

A riqueza fácil e rápida, propiciada pela garimpagem, fez com que não se cuidasse do abastecimento de gêneros alimentícios, os quais, por caros que fossem, tinham comprador certo. Mas, com a seca, “a falta de gêneros alimentícios manifestou-se de modo assustador sendo necessário o comércio e todos os homens importantes recorrerem ao governo”. Gonçalo de A. Pereira informa que “houve grande mortandade de pedintes, que chegavam implorando a caridade pública”.

Por essa ocasião, D. Pedro II, que visitava a Bahia, concorreu também com verba destinada a minorar o sofrimento dos sertanejos, colaborando, dessa forma, com os esforços do Presidente da Província, Conselheiro Herculano Ferreira Penna.

Segundo reza a tradição, é desta época a construção da ponte que atravessa o rio Lençóis, ligando a parte maior da cidade ao bairro de S. Félix, e teria sido construída pelo Mestre Amaro, um pedreiro natural de Maragogipe. No entanto, outra versão, dada por Fernando Sales, informa ter sido construída esta ponte pelos irmãos Tojal, na mesma época, em 1860, com “a oportunidade de aproveitamento de mão de obra ociosa, contornando, assim, a crise então desencadeada com a paralisação parcial dos garimpos”. O mesmo Fernando Sales calcula que a construção da Igreja de N. S. do Rosário deu-se entre 1855-1860.

Em 1860, formaram-se os dois partidos políticos: Serrano – que congregava os homens vindos do alto do sertão até Minas – e o Baiano – que congregava os homens vindos do Recôncavo e da capital da Província, que tanta influência teriam na vida da cidade. Mais tarde abre os partidos se discriminaram em Pinguelos e Mandiocas – estes conservadores, e aqueles liberais.

Em 1861, o Dr. José Augusto Chaves criou a Santa Casa da Misericórdia instalada, no ano seguinte, em casa alugada e situada na então Rua do Lava-pés, que foi depois reedificada pela Intendência Municipal, para servir de cadeia pública, sendo mais tarde abandonada.

Durval Vieira de Aguiar, que visitou as lavras diamantinas, em 1871 e 1881, informa que “Até o ano de 1871, as lavras diamantinas floresceram de uma maneira espantosa. Uma grande afluência de emigrantes atulhava a cidade de Lençóis e todos os demais pontos comerciais espalhados no Termo, especulando cada qual com bons resultados, no gênero do negócio que escolhia. O movimento, a atividade, a abastança, o luxo, a ostentação davam à cidade um grande merecimento comercial”.

Entretanto, a descoberta dos diamantes do Cabo da Boa Esperança fez baixar seu preço na Europa, e trouxeram o enfraquecimento da economia às lavras diamantinas. É o mesmo escritor quem diz que "quando dez anos depois passamos nas Lavras, em lugar da riqueza, atividade e do grande movimento comercial, encontramos a pobreza, a escassez e o descaminho. Os garimpos quase abandonados; e os poucos garimpeiros, que ainda teimavam, mal ganhavam para comer”.

VII. Bibliografia

Gonçalo de Athayde Pereira (MEMORIA, História e Descriptiva do Município de Lençoes - Lavras Diamantinas), de 1910.

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